Apenas 14% do Lixo Eletrônico é Destinado Corretamente no Brasil; Residências são a Principal Fonte de Descarte

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A destinação correta de resíduos eletroeletrônicos (REE) no Brasil atinge apenas 14% do total gerado, um índice alarmante que expõe os gargalos da logística reversa no país. O dado é um dos resultados do Projeto RECUPERE, apresentado durante o VII Seminário Internacional de Resíduos Eletroeletrônicos (SIREE), realizado no Centro de Tecnologia Mineral (CETEM), no Rio de Janeiro.

O estudo trouxe uma revelação surpreendente sobre a origem do lixo eletrônico: 27% dos REE descartados vêm diretamente das casas dos brasileiros, superando o descarte de órgãos públicos (20%), resíduos comerciais (19%) e industriais (13%). Este achado contraria a percepção comum de que a maior parte do volume estaria concentrada no setor corporativo.

O Brasil gera cerca de 2,4 milhões de toneladas de resíduos eletroeletrônicos por ano. Apesar do volume, a pesquisa aponta que as indústrias de recuperação de materiais e produção de bens oriundos desses resíduos trabalham com capacidade ociosa por falta de matéria-prima. As quatro maiores empresas do setor somam 88% da capacidade de produção instalada no país, que é de mais de 285 mil toneladas por ano, mas trabalham com menos de 180 mil toneladas anualmente, resultando em uma capacidade ociosa de aproximadamente 37%.

As quatro maiores empresas do setor somam 88% da capacidade de produção instalada no país, de mais de 285 mil toneladas por ano. Mas trabalham menos de 180 mil toneladas anualmente”, revela a pesquisadora do CETEM, Dra. Lúcia Helena Xavier, responsável pelo grupo de pesquisa REMINARE.

A falta de fluxo de REE para as indústrias é diretamente ligada ao hábito de acúmulo e à dificuldade de descarte por parte do consumidor. A pesquisa confirmou que mais de 85% das casas brasileiras possuem equipamentos eletroeletrônicos com defeitos guardados.

Quem não tem um celular quebrado guardado em uma gaveta e não sabe como descartar? O maior gargalo encontrado pelos pesquisadores na rota de circularidade na gestão de resíduos eletroeletrônicos foi a falta de políticas que incentivem o descarte adequado e a consolidação de pontos de coleta”, relata Dra. Emanuelle Freitas, pesquisadora responsável por essa etapa do Projeto RECUPERE.

A legislação brasileira estabelece que o comércio, juntamente com fabricantes e importadores, é responsável por implementar as políticas de logística reversa. No entanto, o estudo do Projeto RECUPERE identificou uma falha significativa nesse elo estratégico.

O comércio, por ter contato direto com o consumidor, está posicionado de forma ideal para a coleta pós-consumo. Contudo, uma tentativa de contato com 55 estabelecimentos comerciais em diferentes regiões do Brasil, solicitando informações sobre Pontos de Entrega Voluntária (PEVs), não obteve retorno.

Dr. Genyr Kappler, responsável pela pesquisa sobre PEVs, alerta para a complexidade da gestão em um país com cerca de 50 milhões de pontos de consumo.
O mais lógico seria que ele [o comércio] fizesse também a coleta dos equipamentos depois da sua vida útil”, afirma Dr. Kappler.

Em visitas a lojas, os pesquisadores constataram que a responsabilidade do setor não tem sido atendida. Poucos PEVs estavam disponíveis, e a maioria era subdimensionada ou mal alocada, dificultando o descarte correto pelos consumidores. Em alguns casos, vendedores sequer sabiam onde o equipamento de coleta estava.
 
Em meio aos desafios, as cooperativas de catadores surgem como um elo fundamental e com grande potencial de expansão. Segundo dados do Sistema Nacional de Informações sobre Gestão dos Resíduos Sólidos (SINIR), até novembro de 2024, 48% das 660 organizações de catadores no país atuavam com REE.

A pesquisa do RECUPERE com 128 organizações revelou um panorama detalhado da atuação dessas cooperativas: 100% dos catadores respondentes recebem REE, 95% realizam a triagem, 90% fazem o armazenamento e 70% realizam a desmontagem.

A análise, conduzida pela Dra. Luciana Mofati, que resultou em tese de Doutorado na UERJ, destaca o potencial de aplicação do Crédito de Logística Reversa (CLR), regulamentado pelo Decreto 11.413, de 2024, como uma inovação para fortalecer a reciclagem.

Apesar de a maioria dos catadores receber valores abaixo do salário mínimo e depender do Bolsa Família, a proximidade com a comunidade é um diferencial.

“Eles têm a percepção de proximidade muito grande com o consumidor, conhecem o sistema de coleta seletiva das prefeituras, têm ecopontos. São muito próximos à comunidade e poderiam fazer um trabalho excepcional junto à população”, conclui Dra. Luciana Mofati.

A pesquisa também identificou que 81% dos consumidores priorizam o conserto de eletroeletrônicos, e apenas 23% utilizam pontos de coleta, evidenciando outra lacuna: a assistência técnica não está integrada à cadeia de logística reversa.
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O Projeto RECUPERE reforça a urgência de políticas públicas mais eficazes e de uma maior conscientização e engajamento do setor comercial para que o Brasil consiga reverter o cenário atual e dar a destinação correta à maior parte do seu lixo eletrônico.

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